O ritmo acelerado das transformações nas cidades contemporâneas vem me fazendo refletir profundamente sobre o legado e as responsabilidades de minha profissão. No papel de arquiteta e urbanista, tenho observado que as cidades são, em sua essência, um reflexo direto das boas e más decisões que tomamos ou ainda aquelas que, por omissão ou desatenção, deixamos de tomar.
Mas uma questão sempre se destaca em minhas reflexões. Como o planejamento urbano impacta, direta e indiretamente, a segurança de suas populações?
Iniciar qualquer projeto urbano requer um profundo entendimento da realidade da cidade para a escolha dos valores e objetivos essenciais, dos quais se queira aproximar. Em outras palavras, para se chegar num projeto urbano adequado, demanda-se previamente o olhar abrangente e investigativo do planejamento capaz de fazer a ponte entre leitura crítica da realidade e premissas e diretrizes para um futuro melhor. Essa investigação vai além do físico, abrangendo também os aspectos ambientais, sociais, econômicos, culturais e afetivos.
No contexto da segurança, tal mapeamento torna-se uma ferramenta ainda mais valiosa, permitindo compreender os pontos críticos, as áreas de vulnerabilidade e os focos de oportunidade.
Um fator que frequentemente é negligenciado, mas que tem influência direta na segurança, é a qualidade e disposição estratégica dos espaços públicos das cidades. Espaços ordenados e desenhados para promover a interação social, a integração entre moradia e trabalho, a oferta de descobertas culturais e práticas saudáveis, como praças, parques, calçadões, ou simples calçadas e demais percursos dedicados aos pedestres ao longo de ruas e avenidas ou ainda cruzando empreendimentos privados e, mais ainda, quando bem iluminados, adequadamente pavimentados, equipados, bem sinalizados e integrados ao tecido urbano, estimulam a ocupação e, especialmente, apropriação, por parte dos cidadãos, gerando uma espécie de vigilância natural pertencente ao grupo dos “quem gosta, cuida!”.
A presença contínua de pessoas tende a inibir atividades ilícitas e promover uma sensação de pertencimento e segurança. Já não é de hoje a constatação, há pelo menos meio século, da importância do desenho urbano visando favorecer ou qualificar a interação humana. Um desenho urbano consciente que valoriza a visibilidade dos espaços da cidade atuando como uma ferramenta poderosa na promoção da segurança urbana.
Como alinhar efetivamente o planejamento com a viabilidade de implementação? Pois de nada adianta um planejamento minucioso se ele não se materializa de forma eficaz no espaço urbano. A implementação desses planos exige uma abordagem multidisciplinar, que considere não apenas aspectos estéticos ou funcionais, mas também questões econômicas, sociais e, principalmente, a realidade local.
A viabilidade de realização das transformações urbanas depende de uma forte conexão entre as etapas de escuta, planejamento, desenho, execução, operação, usufruto e manutenção. Isto significa levar em conta as limitações e oportunidades do contexto urbano, as restrições orçamentárias, as tecnologias disponíveis e, crucialmente, a vontade política, bem como as vozes da população em suas mais diversas representações. As transformações desejadas no tecido urbano só ocorrerão se houver uma clara compreensão de como traduzir visões e ideias em compromissos e ações práticas no território. A segurança, como produto final, é uma resultante dessas múltiplas variáveis – desde o desenho do espaço físico das ruas e espaços públicos até programas sociais, políticas habitacionais e estratégias de policiamento e zeladoria. Todos esses elementos precisam ser sincronizados, o que torna o planejamento, a implementação, o uso e a manutenção um processo intrincado.
A comunidade local tem que estar envolvida em todas as etapas do processo. Sua adesão e participação ativa garantem que as mudanças propostas sejam não apenas viáveis, mas também desejáveis e adaptadas às suas necessidades e aspirações. Isso leva a soluções mais sustentáveis, com maior probabilidade de sucesso a longo prazo.